Como lidar com a hipocondria?

Não aceitam que são saudáveis e por isso são doentes que andam de médico em médico, tentando encontrar quem possa ter uma opinião que confirme os seus medos. Na hipocondria, o exagero de queixas deve ser olhado como um processo psicopatológico. Existirá ansiedade, depressão ou uma experiência traumática por detrás deste sofrimento

É frequente ouvirmos, nos mais variados sítios, alguém dizer a outra pessoa que “és um hipocondríaco “. Embora nada de grave resulte desta utilização do termo, se quisermos ser rigorosos devemos utilizá-la só nas situações clínicas que se enquadram no conceito aceite na comunidade científica.

A noção de hipocondria refere-se à preocupação excessiva de qualquer indivíduo em ter uma doença grave, ou mesmo receio e medo de contrair uma afeção. Estas pessoas podem apresentar sintomas que não têm um significado clínico especial, mas que são interpretados pelo portador como sinais de doença perigosa. O significado atribuído aos sintomas depende muitas vezes de alterações psiquiátricas concomitantes, como ansiedade, depressão ou experiências traumáticas vivenciadas. Não podemos deixar de sublinhar que as queixas da hipocondria, terão que ser prolongadas no tempo e existir resistência à evidência dos exames complementares que mostram não haver qualquer afeção ou lesão.
É também frequente a recusa em aceitar que está saudável, quando o médico lhe comunica a conclusão da sua observação e que os exames efetuados são negativos. Pelas razões expostas estes doentes vão de médico em médico, tentando encontrar quem possa ter uma opinião que confirme os seus medos.
Os comportamentos nas situações de doença são em geral padronizados e exprimem o chamado “comportamento doença”, um conceito que nos diz a forma como cada um lida e interpreta o que sente, o significado que atribui aos sintomas, a forma como reage e como vê o seu futuro.
A manutenção de «comportamentos doença» quando já não se justifica, o exagero de queixas ou quando estas adquirem um carácter apelativo, têm que ser olhadas como psicopatológicas e entendidas e tratadas como tal. Habitualmente o objetivo destas atitudes pode ser chamar a atenção do médico, da família ou do meio social ou mesmo alcançar qualquer vantagem.
Por tudo isto o mal-estar e o sofrimento do doente não pode ser entendido somente como resultado de perturbações biológicas, mas também, como resultado de componentes de ordem psicológica e sociológica, o que implica olharmos para a pessoa no seu todo, numa conceção unitária do homem.
Todos os comportamentos que ultrapassam o carácter adaptativo e são exibidos pelas pessoas em crise, têm a função de pedir ajuda, manifestar dificuldades em lidar com eventuais conflitos e até revelar inibições na expressão de emoções. Estes conceitos têm muita importância para a medicina em geral e em especial nas afeções, cujos aspetos psicológicos e sociológicos adquirem proeminência, tais como as perturbações somatoformes, a hipocondria, o transtorno disforme corporal, as cefaleias, as perturbações gastrointestinais e outros.
O tratamento da hipocondria passa pela abordagem de ordem médica para eliminar as possíveis causas orgânicas das queixas, esgotando os exames que possam esclarecer as dúvidas, explicando com linguagem simples ao paciente todo o raciocínio clínico, bem como as conclusões da observação.
Como passo seguinte o doente deve ser examinado pelo psiquiatra que detetará sintomatologia psiquiátrica, sendo a mais frequente a depressão (alguns autores falam em depressão mascarada por se manifestar pelos sintomas somáticos), a depressão por sobrecarga afetiva (esgotamento de Kielholz), a ansiedade e ainda algumas síndromes de tipo psicótico.
Muitos destes quadros clínicos necessitam de terapêutica farmacológica, no entanto a abordagem psicoterapêutica é fundamental, pois não basta ter um diagnóstico, é importante que compreendamos a experiência da doença. Ninguém vai ao médico para saber um diagnóstico, mas sim para pedir ajuda no combate ao sofrimento.
O médico deve ouvir e compreender os conflitos, as dificuldades de vida do paciente e correlacionar as emoções decorrentes de eventual stress com as queixas, sem juízos de valor e convicto que a relação estabelecida, é só por si terapêutica. Finalmente, a intervenções podem ter vários modelos, sendo a terapia cognitiva e o mindfulness os que melhores resultados apresentam a curto e longo prazo.
António Reis Marques
(Médico Psiquiatra)

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